20/03/2016

Incidente em Antares - Review


   Incidente em Antares é um romance histórico dividido em duas partes. A primeira é quase um documentário histórico do Rio Grande do Sul, bem ao molde dos dois primeiros volumes da obra prima de Erico: a saga Tempo e o Vento. Este quase documentário é polvilhado de fatos, autores, artigos, personagens históricos etc, fictícios e que o autor propositalmente não faz questão de distinguir entre o real e o imaginario, criando uma linha tênue e por vezes mesclada entre o que existiu e o que é imaginado pelo autor.

O autor inclusive cria uma divertida interligação entre o Tempo e o Vento, e a família Terra sendo ela aqui representada com o professor Martim Francisco Terra. É ele quem encabeça uma 'expedição' que vai até a distante cidade missioneira conduzir uma controversa pesquisa: "Anatomia duma Cidade Gaúcha de Fronteira". Que na verdade é um pretexto: o autor inseriu essa pesquisa através deste personagem na trama para 'fermentar' a história; 'dar um tempero' ao livro. Isso pois a forma como ela se desenrola é um tanto improvável, ou seja, o autor não é isento no seu texto. Mas isto apenas torna a história ainda mais interessante porque por muitas ocasiões, o resultado desastroso da pesquisa é hilário demais com situações bem típicas de cidades minúsculas. Nesta parte também também é traçada a trajetória das famílias Vacariano e Campolargo, 'coronéis' daqueles rincões do Brasil. Trajetória aliás bem excusa, totalmente intrincada com a trajetória da história de nosso país. Erico faz isso com muita habilidade, cria personagens imaginários dentro de contextos históricos muito precisos. Aqui a ficção mais uma vez serve de denúncia para as mazelas do país..

Já a segunda parte, a parte do "incidente", a história assume um quê de fantástico com a volta dos mortos. Aproveitando que não têm mais nada a perder põem-se a denunciar em praça pública todas as mazelas da cidade, a corrupção, a hipocrisia daqueles que são os falsos moralistas (veja bem nem todos é claro). Sem fatalismos, Erico mete o 'dedo na moleira' denunciando os personagens imorais da cidade, que acabam sendo mesmo metáforas para todos os políticos que são corruptos do Brasil. "Ah como o país não mudou nadinha" será o primeiro pensamento do leitor. E é isso mesmo pois o livro foi escrito em 1971 e se passa nos anos 60, de fato o país não mudou nada!

Literatura de qualidade é isso, Erico Veríssimo já está no panteão dos grandes escritores nacionais e ela deve necessariamente apresentar algo que dê o que pensar, deve deixar o leitor 'com a pulga atrás da orelha', deve romper aquele equilíbrio do pensamento e fazer do leitor uma pessoa com visão de mundo mais ampla. E é isso que o autor faz com o absurdo retorno dos mortos que é apenas um pretexto para falar de assuntos que afetam a todos os vivinhos da silva. Desde os anos 60. Ou seria desde muito antes?