30/06/2016

Review: A Cidade e as Serras - Eça de Queirós


Este é o primeiro livro que li de Eça de Queirós. Apesar de obviamente saber quem eé o autor e saber de sua importância para a literatura de língua portuguesa, nunca havia lido nada dele nem nada sobre ele porque sou avesso a qualquer tipo de spoiler, gosto de explorar, desbastar cada autor autor e sua obra.


Eça de Queirós foi advogado e diplomata e isso deu a ele uma chance de girar a Europa a trabalho. A "Cidade" título da obra é Paris. Ao criar a trama com seus personagens e "A" Cidade como pano de fundo, o autor traça um quadro bem completo, bem amplo do modo de vida urbano. É muito divertido entrar de cabeça num mundo pré-Guerras Mundiais em plena efervescência tecnológica. Um mundo que via um pipocar de muitas invenções então uma novidade absoluta para época, novidades ainda não estavam acomodadas no cotidiano das pessoas e por isso causavam muita estranheza. Falo do telefone, da luz elétrica, da água aquecida encanada, do bonde elétrico, do trem a vapor, dentre outros, muitos.

A autor ridiculariza a falibilidade destas tecnologias através de cenas extremamente cômicas, como aquela em que o elevador de comida da cozinha falha, ainda com comida dentro, e ficam todos tentando "pescar" os peixes que ali ficaram presos. Também a cena que explode um cano de água quente, me causou muitas risadas. Eça de Queirós pinta quadros  sociais que beiram a ironia ácida Machadiana, retratando o ridículo da vida vã e frívola que aquela casta cultural parisiense bem viveu na chamada "belle epoque", tendo seus represantes com Tolouse-Lautrec e etc.

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Paisagem bucólica no interior de Portugal.

Ah, como o mundo andava tranquilo demais naqueles tempos! Faltava uma crise, uma destas que colocam o sistema capitalista inteiro em cheque, crises estas que na época eram resolvidas na bala. Ou melhor: bala, trincheira, canhão, metraladora etc, como bem foi nas Guerras Mundiais. Mas daí vem o contraponto; a reviravolta da trama. Por um motivo não menos frívolo (os ossos de
seus ancestrais) o protagonista, junto com seu amigo mais íntimo, e que até então lhe acompanhara fielmente, devem abandonar "A" Cidade.  

Na minha opinião esta é a parte mais gostosa da trama, a parte que eles deixam "A" Cidade com toda sua finitude, com todas as coisas vãs e frívolas para trás e começam a entrar no dia-a-dia do campo, no interiorzão de Portugal. É neste interior onde o protagonista mantém propriedades herdadas de seus pais que lhe garantem uma boa renda. Mas o fato de nunca ter que trabalhar para ganhar a vida não o faz um homem menos digno. Acaba revelando-se quase um governante, governante justo, que ajuda a população local em suas necessidades básicas tão grandes e até então tão desprovidas. Neste ponto me foi muito interessante notar o poder quase feudal do senhor das terras. Isso porque apesar do sistema feudal ja ter sido abolido há algum tempo, o poder local do dono de terras se manteve enorme. Isso prova como na história tudo muda mas tudo fica sempre igual..
Uma leitura de primeiríssima que para uma pessoa nascida em meio urbano como eu significa muito. Traz muitas reflexões sobre o modo de vida que temos na cidade grande. Do tipo até que ponto realmente precisamos disso que usamos. Definitavmente perdi o último restinho de arrogância que tinha quando pensava no modo de vida do homem do campo, hoje os vejo de forma totalmente diferente do que os via antes de ler este livro. Também nos faz pensar: até quando este modo de vida urbano vai se sustentar, e quando vai acontecer o êxodo urbano que vimos no final do império romano, quando a civilização fugiu das cidades em busca da proteção que senhores feudais proviam em troca de trabalho? É....